Há muito eu não
deixava as lágrimas rolarem soltas pela face. Ainda que elas me enchessem os
olhos, pareciam não ter coragem de se jogarem deles. Eram como eu: estavam
presas dentro de mim mesma, não queriam despencar para o mundo.
Em fase de
experimentação, comecei a abrir as portinhas que, não sei ao certo como nem
porque, havia fechado. Deixava-as entreabertas, apenas para sentir a brisa do
mundo tocar minha pele... Queria correr e brincar lá fora, mas como um
passarinho que ficou muito tempo dentro de uma gaiola, achava que devia
permanecer ali, sem me aventurar a voar.
Até que você
apareceu, pegou na minha mão e me convidou para um passeio... Ficamos ali, na
calçada mesmo, mas a alegria que senti quando levei meu eu para a vida, me deu
forças tamanhas para querer continuar dançando do lado de fora.
Só que você não
apareceu para dançar e foi assim, com as portas abertas e gostando da minha
descoberta de como era bom brincar na rua, que as lágrimas também se permitiram
cair.
Sentei-me no
alpendre, do lado de fora da minha casa, mas perto o suficiente da porta para
poder entrar e me proteger dos perigos se assim sentisse necessidade, comecei a
pensar sobre mim, sobre as minhas amarras, sobre a alegria da brisa da vida que
envolvia meu corpo.
Entrei em contato com
aquela pessoa que estava amarrada por correntes invisíveis, ouvi o canto do
passarinho preso na gaiola de portas abertas e percebi que as respostas estavam
dentro deles mesmos.
Me levantei, olhei
para a casa que por tantos anos me protegeu e percebi que se tratava de um
cenário montado, como nos filmes e novelas. Aquelas paredes todas eram móveis e
frágeis, não protegiam coisa alguma, apenas mascaravam um estúdio branco e
vazio, que poderia ser pintado e ser preenchido com as cores e elementos que eu
poderia escolher.
Observei ao redor e comecei a selecionar os objetos
que me agravam e que me desagradavam. Fiz isso livre de todos os personagens e
figurinos que perambulavam pelo estúdio. Despi também o meu figurino.
Completamente nua, podia enxergar melhor o que me caia bem. Olhei-me no espelho
e minha nudez me deu transparência e, naquele momento, além do meu corpo pude enxergar
minha alma. Quanta coisa bonita estava escondida ali...
Escolhi
uma veste leve e fácil de tirar, apenas para me proteger daqueles para os quais
eu não via necessidade de me mostrar. Peguei um guarda-chuva também, só para
ter algum amparo em caso de tormenta muito brava.
Pensei
em você me perguntei se você sabia qual roupa usar para dançar na chuva. Talvez
ainda a estivesse procurando. Por apenas um segundo tive raiva da sua ignorância,
mas aí eu me lembrei de que fora você que me puxara para fora de casa. Mentalmente
te agradeci e pedi baixinho para que você tivesse também coragem de olhar para
si, se despir e vir dançar comigo.
Mais
uma vez uma lágrima ameaçou, mas não teve forças para rolar. Diferente de
sempre, não se impedira por medo. Era o sorriso bobo e a recém-descoberta
alegria de ser de verdade que a fazia vir aos olhos. Aquela lágrima não tinha a
função de sair de mim e expulsar a tristeza, o lugar dela era ali... Viera
apenas para dar brilho aos olhos, limpá-los e fazê-los enxergar o mundo com a
pureza do coração. Obrigada por
me ajudar a me encontrar.
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