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segunda-feira, 25 de julho de 2011

O que aconteceria?

     Era mais um dia em que Julia chegava ao trabalho com os pensamentos em outro lugar. Subindo os degraus que davam na portaria do prédio em que ficava seu escritório, olhou esperançosa para o pequeno jardim na lateral do edifício. Esperava encontrar Nicolas ali, fumando seu cigarro matutino, mas não havia ninguém lá.
     No espelho do elevador quis arrumar-se. Passou as mãos nos cabelos tentando ajeitá-los, mas entristeceu-se ao perceber refletida a sua aparência abatida. Havia passado mas uma noite em claro, chorando e pedindo a Deus uma explicação para o caos em sua vida se encontrava.
    Sentia falta da auto-confiança, da alegria e da jovialidade que irradiava até poucos meses atrás. Estava amargurada, morta por dentro; quando andava pelas ruas parecia que todos a olhavam com pena. Parecia que todos sabiam o que se passava dentro daquele coração, mas que ninguém se importava.
     Sentou-se em sua mesa e, na sala ao lado, ouviu vozes. Não era Nicolas.
    Ligou o computador e, enquanto baixava seus emails, deixou as lembranças vagarem. Sentiu que uma lágrima começava a crescer no cantinho de seu olho esquerdo. Apertou os olhos e a deixou rolar. Precisava se conformar. Nicolas não voltaria.
    Nicolas estava de férias do trabalho quando, repentinamente, faleceu. Na noite anterior havia ido jogar bola com os amigos, perdeu o controle em uma curva e a moto capotou em um barranco. O corpo fora encontrado na manhã seguinte pela polícia, que ligou para o número da empresa de constava em seu crachá.
    Julia pensava em declarar o amor que sentia pelo colega de trabalho assim que ele retornasse de suas férias. Orgulhosa, negara muitas vezes às investidas de Nicolas, pois tinha medo da repercussão que o relacionamento teria no escritório, mas, com a distância, percebia que seu carinho era maior do que apenas amizade.
     Lembrava-se com perfeição o fatídico dia em que Andrea deu a todos a triste notícia. Havia chegado a pouco e tomava um café com Camila e Luiza, rindo e comentando com as amigas sobre o final de semana. Andrea adentrou a sala aos prantos e, entre soluços, contou sobre o acidente. Silêncio no ambiente. De repente, Julia viu-se tentando acalmar as colegas. Não chorava. Talvez não tivesse entendido a mensagem.
     Aos poucos, todos os funcionários foram tomados por um sentimento fúnebre. Estavam organizando um grande festa na empresa, mas, naquele dia, nenhum comentário sobre qualquer festividade foi feito. Todos lembravam apenas fatos sobre o colega falecido. Nicolas era muito querido.
     Percebendo o que estava acontecendo, Julia trancou-se no banheiro, olhou no espelho e repassou mentalmente todas as frases que ensaiou dizer a Nicolas. Lembrou-se das palavras de Andrea e de suas lágrimas e então caiu em si. Horrorizada, encostou-se na parede fria e foi escorregando, até perceber-se jogada no chão aos prantos. Chorava como nunca havia chorado antes. Sentia como se sua alma estivesse fora de seu corpo e observasse àquela cena, como cena de novela. Sentiu pena de si mesma e chorou ainda mais.
     Nicolas estava morto. Julia o perdera.
     Imaginou que, quando se declarasse, poderia ser levada a sério, mas também considerou as hipóteses: de serem demitidos do trabalho; de levar um fora e ser hostilizada pelo rapaz; de apanhar de uma possível namorada desconhecida de Nicolas; dos pais não aceitarem o relacionamento; e, até mesmo, de, com o tempo, ver que ele não era assim tudo aquilo que ela imaginava.
     Nunca cogitou perdê-lo de forma tão definitiva.
     Nunca desejou tão ardentemente ser humilhada. Queria que Nicolas a tratasse como um monte de lixo e ridicularizasse seus sentimentos, para que, pelo menos, tivesse a oportunidade de odiá-lo para sempre.
     Julia sabia que não aconteceria. Julia não sabia o que aconteceria.

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